03.06.2024

À conversa com o encenador Nuno Carinhas

03.06.2024

À conversa com o encenador Nuno Carinhas

'Estamos [no teatro] para questionar o mundo. (...) As questões humanas essenciais são meia dúzia e estão plasmadas na história do teatro. (…) Podemos falar de tudo, relacionando com o tempo presente'

É pintor, cenógrafo, figurinista e encenador. Porquê esta plasticidade?

São maneiras diferentes de aceder ao mundo. Tive a necessidade de experimentar diversas ferramentas que se adaptassem à minha procura, uma espécie de demanda por uma linguagem e pelo que correspondia melhor às minhas inquietações. Acho que o teatro acaba por ser a sumula de todas elas. Tem uma forma mais universal, talvez. É aquela arte que tem maior possibilidade de expansão do tempo. Mas tudo são aprendizagens, é como se tivéssemos um pano muito dobradinho e começássemos a abrir, dobra a dobra. Cada dobra é uma experiência que nos vai enriquecendo e viciando.

Estudou pintura, colaborou com o Ballet Gulbenkian, dirigiu óperas e realizou uma curta-metragem. O que lhe trouxeram essas experiências?

Foram coisas que foram acontecendo, nunca planeei muito aquilo que ia fazendo. Surgiram oportunidades e, como pessoa curiosa e que não está enfeudada numa ideia muito estrita, entreguei-me a essas tarefas. Continuo a ser um amante de pintura e não deixei de desenhar e de pintar, há uma espécie de vício da mão e do olhar que se mantêm, mas sobra-me pouco tempo. O Ballet Gulbenkian surgiu ainda no tempo da escola. Havia uns estúdios coreográficos onde trabalhei com o Vasco Wellenkamp. Mais tarde, o Jorge Salavisa, diretor artístico da companhia, quis que eu continuasse a colaborar, o que me permitiu experimentar coisas muito diversas. A oportunidade de encenar ópera materializou-se no estúdio de ópera da Casa da Música. Depois, o Paolo Pinamonti convidou-me para dirigir duas pequenas óperas no Teatro São Carlos e fiz, mais recentemente, a Blimunda, também no São Carlos. A curta-metragem que realizei foi o “Retrato em fuga”, que até teve um prémio do júri do Festival de Curtas-Metragens de Buenos Aires. Era um projeto da Produções OFF/RTP que consistia em atirar para a linha da frente pessoas que estavam mais atrás – como “empurrar” iluminadores para diretores de fotografia – ou juntar pessoas de outras áreas. Foi uma experiência única, ainda em 35mm.

Em 1976 foi um dos sócios fundadores d’A Barraca. Como começou a paixão pelo teatro?

Os meus pais pertenciam a um grupo de teatro amador, orientado pelo braço direito da Dona Amélia Rey Colaço, que dirigia a companhia do Teatro Nacional D. Maria II. Aos 5 anos, comecei a ver fazer espetáculos, muitas vezes ia com os meus pais para os ensaios e também os ouvia a decorar os textos em casa. Tudo isso deu-me uma intimidade muito grande com o objeto teatral, com o antes do antes do espetáculo. Adormecia nos ensaios e, sem perceber, tudo ressoava na minha cabeça… sabia Gil Vicente de cor.

Entre 2009 e 2018 foi diretor artístico do Teatro Nacional São João (TNSJ). Foi o maior desafio da sua carreira?

Trabalhei no Porto vários anos, desde que o Ricardo Pais foi para diretor do TNSJ. Ele encenou o primeiro espetáculo e deu-me a responsabilidade de fazer o segundo, “O Grande Teatro do Mundo”. Só fui diretor artístico de um teatro nacional porque era aquele teatro. Era uma casa que eu conhecia bem, identificava-me com o projeto e estava disposto a abraçar aquela equipa. Foi um desafio enorme. Ser diretor artístico de um teatro acarreta as mesmas responsabilidades de gestão de uma empresa, as pessoas ficam ou não marcadas pelos programas que propomos e estratégias que desenhamos. Mexemos com uma cidade, com a nossa cultura e temos ligações internacionais. Nos três mandatos que estive à frente do TNSJ passámos por acontecimentos políticos e sociais muito marcantes. Tivemos de nos articular muito bem para manter as portas abertas e lutar contra as ideias de alienação e despedimentos.

Escreveu que no teatro “progredimos insatisfeitos de pergunta para pergunta”. O teatro é um permanente questionamento?

Tem de ser. Nós não estamos lá só para criar ambientes interessantes e decorativos, ou contar histórias para divertir as pessoas, estamos lá para questionar o mundo, com textos que vêm da Grécia Antiga até hoje. É possível repetir os temas em várias épocas porque as questões humanas essenciais são meia dúzia e estão plasmadas na história do teatro. É na maneira de perguntar e na forma de organizar as grandes questões que estão as diferenças epocais. E nós somos parte desse sistema, temos essa responsabilidade. Podemos falar de tudo, relacionando com o tempo presente, daí haver uma permanente atenção sobre o porquê, o quê e o agora.

Continua a encenar peças pelo país. O que gostava que o futuro lhe reservasse?

Eu estou bastante compensado. Atualmente quero trabalhar com pessoas de quem gosto, isso é prioritário em relação a qualquer tipo de projeto que ainda me falte realizar. Há imensos autores que nunca fiz, mas percorri muitas companhias, cruzei-me com muitas pessoas, ouvi muito e, portanto, é o resumo disso que gosto de ter hoje: pessoas que me apeteça ouvir, com quem me apeteça dialogar e estar, mais do que o cumprimento de projetos individuais.

FOTO: TUNA_TNSJ

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #165, de junho de 2024

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