01.05.2015

À conversa com o Arq.º Pedro Ferreira Pinto

01.05.2015

À conversa com o Arq.º Pedro Ferreira Pinto

‘Procuro uma arquitectura com uma vertente minimalista e sem excessos de austeridade que tenta responder aos desafios da sociedade. Tento introduzir uma ideia de simplicidade, elegância e cultura.’

Porque é que optou por tirar o curso no Porto? O que recorda desses tempos? E porque é que escolheu arquitectura?

Nasci no Porto mas vim muito novo para Lisboa. Tirei o curso no Porto porque o Arq. Carlos Ramos (pai) disse aos meus pais e a mim: “para aprenderes o que é a arquitectura vem conhecer a Escola do Porto.” Como tínhamos família no Porto foi fácil a adaptação mas difícil a integração. No primeiro ano, todos os fins-de-semana vinha a Lisboa… ao fim de dois anos vinha esporadicamente. Arquitectura porque tive a influência de um pai que desenhava fantasticamente bem e que, numa viagem Lisboa-Porto, parava nalguns locais e dizia: “saiam do carro e apreciem esta paisagem e este ar que não há na cidade”, ou abrandar junto a um portão de uma quinta e chamar a atenção para a proporção e seus detalhes. E também uma mãe, com educação inglesa e de rigor, que me deu a apetência para tentar intervir na vida profissional através do mundo da arquitectura com a escolha da alínea H aos 16 ou 17 anos.

Regressou a Lisboa para trabalhar. Que cidade encontrou?

Regressei a Lisboa após concluir o curso, em 1965, e após ter estagiado com o Arq. João Andresen, Prof. de Urbanismo da Escola do Porto. Tive a sorte de conhecer em Lisboa o Arq. José de Almada Negreiros, com quem fiz vários trabalhos, entre os quais o início do projecto do Colégio de São Miguel, em Fátima, que viria a ser o tema do meu trabalho C.O.D.A. (tese) defendido em 1968, com a colaboração do Eng. Ernesto Veiga de Oliveira, da BETAR. As duas Faculdades, Lisboa e Porto, tinham processos diferenciados de abordar o ensino da arquitectura. No Porto a escola funcionava como uma oficina, dispúnhamos de espaços bons para salas de aula/ateliers e os projectos eram obrigatoriamente executados nestes espaços. Em Lisboa trabalhava-se muito fora da escola e nos ateliers dos arquitectos (funcionalismo e influência das correntes da arquitectura europeia). Na altura do 25 de Abril, face à conjuntura social e política, o mercado de trabalho na área da arquitectura ficou muito limitado, tendo muitos ateliers fechado as portas. Era quase “politicamente incorrecto” falar-se de arquitectura. O que estava na ordem do dia era o planeamento.

As suas filhas trabalham consigo. Como funciona esta parceria?

As parcerias funcionam tal qual duas gerações diferentes: ambas as gerações têm razão, mas sempre se “engalfinham”, mantendo independência de soluções ou completando-se.

Fale-nos sobre a experiência no Brasil.

No Brasil sente-se uma liberdade de actuação e a dimensão do país é tal que cheguei a fazer trabalhos no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Foz de Iguaçu, cidades a centenas ou milhares de quilómetros umas das outras, mas sempre com escritório no Rio; embora tivéssemos sócios em São Paulo nos empreendimentos turísticos. Tive sorte, ambientei-me bem e consegui realizar empreendimentos turísticos junto ao Guarujá, no litoral paulistano, e em Angra dos Reis.

O seu conceito de arquitectura está muito na base da ligação entre o homem e a natureza. Quais sãos os principais fundamentos ou características do seu trabalho?

Procuro uma arquitectura com uma vertente, de certo modo, minimalista e sem excessos de austeridade, mas ligando muito à relação interior/exterior e tentando, de qualquer modo, responder aos desafios da sociedade actual. Tenho procurado também introduzir sempre na arquitectura uma ideia de simplicidade, elegância e cultura.

Há algum projecto que considere especial? Porquê?

Considerei especial o projecto ganho em concurso para o Instituto de Comunicações de Portugal, ICP, em colaboração com o gabinete do Arq. Luís Casal Ribeiro, pela sua simplicidade e plasticidade da solução. Um projecto onde se optou por uma vertente mais tecnológica “vestindo” as fachadas principais e cobertura com painéis fotovoltaicos, contribuindo assim para uma optimização da eficiência energética do edifício (em 2001 seria um desafio). Considero ainda especiais duas outras obras que contaram com a colaboração do Eng. José Pedro Venâncio da Betar: a casa familiar na Comporta, pela forma como articula com o território e com a paisagem e se vive com a maior simplicidade; e a recuperação e ampliação da Av. Biarritz, no Monte do Estoril, moradia do princípio do Séc. XX, pela introdução de uma linguagem contemporânea (estrutura de ferro e vidro) adossada à construção existente. A estes projectos acrescentaria também as intervenções no domínio da reabilitação, que sempre foram apanágio deste gabinete e dos que o precederam, Arqui lll e JAPFP Arquitectos e Associados.

O que é que está a fazer actualmente?

Refiro fundamentalmente duas frentes de trabalho: no âmbito da arquitectura, os projectos para a Herdade da Comporta, dando continuidade à pesquisa de modelos de ambientes que têm vindo a ser propostos nos últimos dez anos; e no âmbito do urbanismo, o desenvolvimento de empreendimentos turísticos e reabilitação de áreas peri-urbanas de baixa densidade.

Quais são, no seu entender, as grandes responsabilidades da arquitectura para o futuro?

Estando a atravessar-se um período de revolução tecnológica, e pensando nos modelos de vida actual, ou nos que se podem perspectivar, diria que o grande esforço residirá agora (como dantes) na capacidade de antecipar as soluções para os desafios impostos pela sociedade, nomeadamente, os que se relacionam com o ambiente (no sentido da compatibilização da protecção dos recursos com o desenvolvimento e a evolução tecnológica); e a gestão do tempo (no sentido de um maior equilíbrio entre o tempo do trabalho e os tempos livres). Tudo isto, sem nunca perder a perspectiva de que, citando Marguerite Yourcenar, na obra “Memórias de Adriano”: construir “…é colaborar com a terra; é pôr numa paisagem uma marca que a transformará para sempre; é contribuir também para a lenta transformação que é a vida das cidades.” Reconstruir “…é colaborar com o tempo sob o seu aspecto de passado, apreender-lhe ou modificar-lhe o espírito, servir-lhe de muda para um mais longo futuro …”

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #64, de Maio de 2015

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