01.02.2019

À conversa com Aboim Inglez Arquitectos

01.02.2019

À conversa com Aboim Inglez Arquitectos

‘Pediram-nos para recuperar uma casa com paredes inacabadas e parte do telhado em chapa, com um orçamento limitado. A cliente não teve o preconceito de pensar "eu não vou chamar um arquiteto aqui". Sentiu, e bem, que tinha esse direito’

Como começou esta parceria?

Arq. Maria Ana (MA) – Começou há uns dez anos, pouco antes de casarmos. Trabalhávamos noutros ateliers e experimentámos trabalhar juntos à noite. Eu colaborei oito anos com o arq. Falcão de Campos, que tinha vários projectos com o eng. Miguel Villar. É daí que conheço a BETAR, porque era, e é, uma equipa muito presente no atelier.

Arq. Ricardo (R) – Eu ainda estou ligado à José Adrião Arquitectos. Conhecia a BETAR de nome, porque o grupo de algumas pessoas com quem me dou trabalhava, e trabalha, com eles, como José Barra, Maximina e Telmo…

MA – O atelier começou a consolidar-se com o projecto do Monte da Azarujinha, em 2016. Começámos a dedicar mais tempo aos nossos projectos. Quando surgiu uma remodelação num apartamento em Lisboa, que tinha uma componente estrutural muito complexa, há dois anos, decidimos chamar a BETAR e resultou muito bem.

R – Era uma intervenção tão sensível que sentimos necessidade de estar apoiados pelas especialidades desde início, para validar se estruturalmente era possível. Era um duplex no último piso de um edifício. Os clientes compraram um dos dois apartamentos, com acesso à cobertura, ou seja, estávamos a intervir em metade da cobertura e a construção parecia muito frágil, mas quando fomos lá com o Miguel Villar, ele sossegou-nos. A obra iniciou-se há dois meses e estamos bastante entusiasmados.

E que outros projectos melhor exemplificam o vosso trabalho?

MA – O Monte da Azarujinha era um monte alentejano com uma construção de apoio agrícola datada de 1901. Tinha elementos muito interessantes: fogos de chão, um forno, uma zona com amassadeiras em cerâmica… Os proprietários, um casal de 70 anos, pretendiam uma casa de férias para a filha e netos. Dada a limitação orçamental e a dificuldade em tornar auto-sustentável o investimento, sugerimos que pensassem na criação de turismo rural e assim fizeram. Remodelámos o edifício original e fizemos um volume novo para os quartos, com um alpendre aberto para a imensidão do espaço.

R – O projecto mais recente, e mais peculiar é uma casa num pequeno povoado, perto de Leiria. A cliente contactou-nos para fazer uma casa numa adega e marcámos visita. Entretanto enviou-nos fotografias que revelaram uma construção completamente descaracterizada, com algumas paredes inacabadas e parte do telhado em chapa. Era a casa onde vive a sua mãe, que ela queria recuperar, e o orçamento, viemos a saber depois, era bastante limitado. Ficámos assustados.

MA – Antes de irmos, mandou-nos referências de arquitectos que gostava. Havia ali qualquer coisa de interessante. O lugar era estranhíssimo mas as referências eram muito pertinentes. Ficámos curiosos. Chegámos lá, conhecemos a cliente e a mãe: ficámos encantados. E no meio daquele aparente caos, havia flores muito bem cuidadas.

R – A cliente disse-nos que podíamos trabalhar com a casa existente ou deitar tudo abaixo. A mãe dizia que, por ela, pintavam-se só as paredes. Percebemos que a senhora gostava de estar ali, a cuidar das flores, e disse-nos que à noite gosta de ler. A filha ainda nos contou que fez umas obras com um primo e que lhe disse “escusas de vir com pladur, eu gosto é das paredes de pedra”. E nós não resistimos a tudo isto. É um desafio enorme porque parte de uma aparente desqualificação, o que nos irá ajudar a chegar ao essencial. O esforço de projecto para um orçamento assim tão limitado é muito grande porque, como estamos a trabalhar no limite, temos de lhe dedicar mais horas. Pensámos num modelo construtivo com pilares de betão armado e lajes com vigotas e abobadilhas, uma estrutura modelar com o mínimo de exigência construtiva e que venha ser possível construir com recurso a mão de obra local.

Porque será que a cliente não dispensou um arquitecto (e ainda bem!)?

R – Eu acho que ela percebe que a qualificação faz falta e sobretudo não teve o preconceito de pensar “eu não vou chamar um arquitecto para vir aqui”. Sentiu, e bem, que tinha esse direito. Sabe a importância do arquitecto e é muito genuína. E tinha um desejo de procura de conforto para a mãe.

MA – Depois de conhecer as pessoas e o contexto, não hesitámos. 15 minutos de conversa e só queríamos dizer “sim, queremos fazer este projecto”. Quisemos levar arquitectura àquele lugar e àquela família. Foi efectivamente uma questão de empatia. Às vezes é o lugar que nos sugestiona, outras vezes são as pessoas. Entretanto estiveram cá, mãe e filha, para lhes apresentarmos o projecto.

R – Estávamos apreensivos em relação à reacção uma vez que a maquete nos parece ser bastante radical. Trata-se de uma casa sem paredes interiores, isto é, todas as paredes são exteriores porque abrem sempre para um pátio, por forma a haver uma relação forte com o exterior. É um espaço flexível, com cortinas nos locais de maior privacidade, que não dita a maneira de usar e potencia a relação com o terreno e com as flores, porque fazemos o jardim entrar em casa.

MA – A reacção da cliente foi surpreendente: “aparenta estar simples mas é bastante complexo, gosto tanto!”

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #105, de Fevereiro de 2019

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