01.07.2013

À conversa com Arq.º Miguel Berger

01.07.2013

À conversa com Arq.º Miguel Berger

‘Em Luanda sinto-me em casa. Durante os primeiros dias andava de boca aberta e máquina fotográfica em punho, sensibilizado com os edifícios. Gosto muito de cá estar, a minha vida recomeçou aos 40.’

A Berger Arquitectos conta com mais de 40 anos de actividade. Como é que tem sido assegurar o legado do seu pai?

Não tem sido fácil pois esse legado vinha associado a uma fasquia muito elevada, e portanto tem sido um esforço e empenho constantes, com fases muito diferentes, com altos e baixos. O meu pai, para além do gosto e da ética profissional, deixou-me também uma forma muito empenhada de trabalhar, cheia de entrega pessoal e envolvimento com o trabalho, que o caracteriza e, naturalmente, que caracteriza aquilo que faz. Mais recentemente, associado à sua actividade docente e dirigente mas, no início da sua vida profissional, associado aos seus projectos. O projecto da Fonte Nova, entre muitos outros episódios, é um dos que não me esqueço e que define um pouco esse legado. Trata se de um detalhe, mas o projecto é constituído por duas torres com muitos pisos e o revestimento exterior é em azulejo branco. Claro que não podia ser um azulejo branco qualquer, e foi uma luta que ele ganhou mas não sem sequelas pessoais.

Acha que podia ter tido outro percurso ou a influência que tinha em casa foi demasiado forte e só o podia conduzir à arquitectura?

Não consigo imaginar outro percurso, e de facto tenho bem consciência que se tratou da influência do meu pai.

Recorda alguma história que o tenha ajudado a decidir enveredar por esse caminho?

Não tenho uma história em especial, penso que recordo com gosto muitas. Durante o projecto do Palácio do Correio Mor, em que uma parte substancial do trabalho do meu pai foi feito na obra, e consequentemente no Palácio, existiram inúmeras ocasiões, desde escavações arqueológicas numa pedreira perto, tardes a desenhar aviões na sala de desenho, passeios pela obra ou, até, as que recordo com mais prazer, como os passeios a cavalo, entre o projecto do picadeiro e o do palácio.

Depreendo que não aprendeu a ser arquitecto apenas na faculdade. Que tipo de conhecimentos e conselhos é que o seu pai lhe transmitiu ao longo da sua formação? E ainda o faz agora?

Trata-se mais de uma influência e não tanto de conhecimento. É me difícil identificar as formas em que ela se evidencia. Sei que o meu gosto, e o que me comove, têm essa influência. No entanto esta influência foi mais evidente no início da minha actividade profissional porque hoje também já tenho uma história autónoma. Para mim, a enorme influência que ainda sinto por parte do meu pai, tem que ver com a ética. Nesse ponto ele ainda é o meu referencial.

O que é que o levou até Luanda e o que é que o prendeu por lá?

Vim para Luanda substituir um colega, a meu pedido, e porque ele desistiu de ir. Já me encontrava com cada vez menos trabalho e queria ter uma nova oportunidade. Assim que lá cheguei apaixonei-me!

Disse na entrevista à Archinews que andou a tirar fotografias aos edifícios, mesmo estragados, porque ficou entusiasmado com os detalhes. O que é que tanto o fascinou?

Foi uma surpresa grande ter encontrado tantos exemplares de arquitectura dessa época. Durante os primeiros dias andava de boca aberta e máquina fotográfica em punho, agora já se trata de uma paisagem familiar, mas continuo a ficar sensibilizado com alguns edifícios, nomeadamente com o do Ministério das Obras Públicas e da Rádio Nacional, para dar dois exemplos, mas a lista é vasta!

Dos edifícios coloniais construídos pelos portugueses aos impulsionados pelo Movimento Moderno de Le Coubusier, que história lhe conta a arquitectura de Angola? Sente-se em casa a trabalhar em Luanda?

Sinto me em casa, senti-me querido quando aqui cheguei, gosto muito de cá estar, e gosto muito dos angolanos e angolanas. A minha vida recomeçou aos 40, e para melhor, em muitos aspectos. Quanto à história de Angola, gosto de pensar que a estou a ajudar a construir, com os angolanos.

Também na entrevista à Archinews o seu pai disse que “reabilitar sai mais caro do que construir de novo”. Mas penso que é um imperativo. Lisboa e Porto, por exemplo, são cidades com uma história gravada nos edifícios. Sendo o seu mestrado na área da reabilitação, concorda que é indispensável reabilitar?

Reabilitar é um imperativo, no entanto, com motivações diferentes. Os edifícios com valor particular, por um lado e, por outro, os restantes edifícios e os espaços onde se encontram, no sentido de os ir adequando às novas formas de estar e viver. O tema é vasto e apaixonante. Não vou conseguir desenvolver em poucas palavras.

Li algures que “Angola é dona de uma cultura secularmente semeada pelo mundo, e agora conta com o investimento estrangeiro. Está em permanente devir. O que foi ontem já não é hoje, e o amanhã será com certeza muito diferente”. Considera que está a ser feito um bom trabalho no território, actualmente?

A pergunta tem resposta muito difícil. Eu acho que estou a fazer um bom trabalho. Sei que estou a fazer o melhor trabalho que sou capaz e, em muitos aspectos, do melhor que já fui capaz de fazer.

Há algum projecto que considere especial? Ou algum que ambicione muito fazer?

O que não faltam são edifícios que considero especiais. Naturalmente que, para mim, os mais especiais são os que desenhei e consegui ver construídos. Desses, não consigo identificar nenhum em particular, são todos especiais.

Esta entrevista é parte integrante da Revista Artes & Letras #44, de Julho de 2013

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